sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos..."

O primeiro contato com essa frase foi através de um blog de amigas onde uma delas comentava num texto emocionante sobre o novo cd do Otto "Certa manhã, acordei de sonhos intranquilos".
http://oquenoia.blogspot.com/2009/12/certa-manha-acordei-de-sonhos.html
A partir daí, ela passou a me perseguir. Ao assistir a entrevista do fotógrafo mineiro João Castilho, no Paraty em foco (setembro, 2010) lá estava ela, dessa vez em 21 versões diferentes apresentadas na série de imagens "Metamorfose", um dos seus trabalhos mais recentes. O projeto nasceu de uma obsessão de João em colecionar traduções do "A Metamorfose" de Franz Kafka. E o peculiar dessa coleção que virou tema pra suas fotografias é que nenhuma das traduções repete exatamente a primeira frase do livro. Ao ler cada uma delas, percebi que a própria comparação se tratava de uma metamorfose, já que cada tradutor dava à frase uma versão segundo sua interpretação do texto.





fotos retiradas do site: http://www.joaocastilho.net
Instigada, fui comprar o livro pelo qual sempre tive curiosidade, já que metamorfose é uma palavra que me define mais que meu próprio nome. Depois de ler, acabei entendendo que a frase tantas vezes aparecida nos meus últimos meses era apenas a primeira de muitas que muito tinham a me dizer.
A escrita simples porém metafórica de Kafka me levou num rítmo alucinante ao fim do livro em poucas horas. A cada frase que lia, me impressionava mais o realismo daquela história absurda de um caixeiro-viajante que se transforma num inseto horrível de dorso e inúmeras patas. "Não era sonho, seu quarto em tudo familiar (...) tinha as quatro paredes de sempre", frase retirada do próprio livro.
Já com um pouco de sono, meus olhos se fechavam e eu via tudo acontecendo como se estivesse numa peça de teatro. Até agora, não consegui sair daquele quarto escuro, sujo, coberto de pó, fios de linhas e restos de comida.
Durante quase toda a leitura, levei a dor de Gregor comigo (o protagonista que sofre a metamorfose). O desprezo por ele já não ser mais um trabalhador e prover o sustento da família e a incapacidade de comunicação entre ele, seus pais e sua irmã me trazia uma angústia enorme. Será que me senti identificada?
Pode parecer absurda essa relação, já que não sou nenhum inseto desprezado pelos próprios pais, mas adentrando nas segundas capas de significados da narrativa, acabei me encontrando na posição de Gregor nos papéis sociais que cumprimos ou deixamos de cumprir dentro da família. Tendo escolhido a segunda opção, sei o quão doloroso é assumir o fracasso desse compromisso para se comprometer consigo mesmo. O pior disso tudo é a impossibilidade do diálogo quando essa ruptura acontece. Um diz uma coisa e o outro quer escutar outra e aí não existe encontro, muito menos entendimento. Pra enfrentar essa situação, tenho tido sonhos intranquilos, mas bendita é minha inocência que me faz acreditar num final feliz, diferente do que escreveu Kafka.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

louco é quem me diz

Faz quase 8 anos que ela entrou na minha vida e tem sido difícil e fascinante lidar com os altos e baixos dessa trama. É angústia transformada em poesia, dor e beleza ocupando um mesmo espaço. Hoje, mesmo sem encontrar um significado exato pra tudo isso, reafirmo meu compromisso com ela. Talvez, seja desnecessário uma definição.
Enquanto escrevo, um detestável sentimento de culpa me diz que eu deveria estar sentada na cadeira de um emprego seguro, assumido em meio à incerteza e à falta de confiança em mim mesma. Mas não estou, abandonei o barco e ainda nem avisei ninguém. Vão pensar que sou irresponsável, mas só eu sei que o que eu tô sendo é ética. Não posso fazer o que alguém faria muito melhor que eu. Isso sim é pecado, fazer o que não quer, ou melhor, deixar de fazer o que quer. A gente só não é perdoado por trair o próprio desejo. Já não me restam desculpas, não vou mais aceitar cobranças minhas, nem de mais ninguém.
Hoje eu não estou indo pra nenhum lugar diferente, começando outro curso, saindo pra fotografar com uma câmera nova, nem mesmo começando a ler um livro novo. Sentada na escrivaninha do meu quarto, com um frio na barriga como se eu tivesse numa montanha russa, eu tô começando tudo novo de novo.




fotos do trabalho Madness de Claudio Edinger, retiradas do site http://www.claudioedinger.com/

O motivo dessa decisão é uma teia de acontecimentos que não caberiam em texto algum, mas me lembro de um fato que talvez tenha sido uma das últimas influências. Um workshop com o fotógrafo Claudio Edinger (no Paraty em foco, setembro de 2010). De todas as suas palavras, que foram muitas, restaram poucas lembranças; afinal, os dias de festival eram sempre cheios de informação. Além do que minha memória costuma ser mais emotiva que racional. Por esse motivo, não saberia transcrever com precisão o que foi dito ou discutido naquele dia. Mas algo mais subjetivo ficou: a convicção e o amor com que ele contava os seus casos com a fotografia. Já conhecia esse trabalho, cujas fotos estão postadas acima, mas me impressionei quando ele contou que não foi apenas visitar, mas viver no hospital psiquiátrico do Juqueri em São Paulo para investigar e fotografar a loucura. Fiquei pensando nisso e cheguei a conclusão que a paixão dele e também a minha pela fotografía é uma espécie de loucura. Me lembrei de vezes em que me disseram que sou louca por pensar assim, por entregar a vida por causas aparentemente estranhas, mas acho que louco deve ser mesmo quem me diz, e não é feliz, não é feliz.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

a vida é kitsch


Sempre que leio um livro, vou grifando frases que por algum motivo me chamam atenção. Acabo de ler "Paisagem com Dromedário" de Carola Saavedra e relendo minhas marcações, percebi que o livro, apesar de ser um romance, lança em seus diálogos várias questões sobre arte que se assemelham à visão que construí ao longo de dois anos estudando fotografia e frequentando assiduamente exposições, feiras, festivais e bienais de arte.
De volta à cidade onde nasci, encontrei nas palavras de Érika, personagem que narra a história, muitos dos motivos que me trouxeram à vida caipira outra vez. Transcrevo abaixo alguns trechos:

"O que importa não é ter qualquer desenhinho, figurinha, massinha exposta num museu, num livro, ou o meu nome num cartaz, mas outras coisas, coisas relacionadas com a vida e com a banalidade da vida. Sabe, Alex, eu não acredito mais em coisas grandiosas, eu não me importo mais. Sabe, Alex, eu não quero mais que a vida seja algo especial. Eu quero que a vida seja apenas o que ela é."

"Pra mim, a obra de arte ideal seria aquela constituída essencialmente daquilo que o artista não quis dizer, a obra feito um negativo, e da não intenção do artista, do que lhe escapa, do que foge ao seu domínio..."

"Afinal, que mal há viver como todo mundo? A maior parte das pessoas não vive pensando em criar "a grande obra, ou em ter "a idéia genial". Por que teríamos que ser diferentes? Hoje, conversando com Pilar e Carmen, não sei, havia nelas uma força que eu nunca senti em mim, uma força das coisas do mundo, do cotidiano. Eu sei o que você está pensando, você deve estar rindo e pensando que eu,como muita gente que vem morar aqui, estou me sentindo tentada a alguma espécie de volta a natureza, algo meio naïf, meio bom selvagem. Mas não é isso. Começo a achar que a vida é mesmo dessa forma, exagerada e de mau gosto, a vida é kitsch."